Em um famoso discurso no Senado Federal em 1914, Rui Barbosa
classificou a injustiça como o grande mal do Brasil, a origem de todas as
infelicidades da população e a miséria suprema da nação. “De tanto ver triunfar
as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem
chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser
honesto”. As declarações datam de um século atrás, mas nunca soaram tão atuais.
O Brasil vive um grave quadro de incerteza e insegurança jurídicas, capitaneado
por um Supremo Tribunal Federal rachado e desacreditado. Decisões confusas,
polêmicas e controversas, que variam de acordo com os réus, abalaram de vez a
credibilidade da Suprema Corte. A última manobra do STF representou mais um
duro golpe contra a Lava Jato. Na terça-feira 24, por 3 votos a 2, a 2ª Turma
do STF decidiu tirar das mãos do juiz Sergio Moro trechos das delações
premiadas da Odebrecht que tratam de pagamentos ilícitos ao ex-presidente Lula.
Ministros tentam salvar
Lula
Com isso, os depoimentos sobre irregularidades no sítio de
Atibaia, na compra de um terreno para o Instituto Lula e nas palestras do
petista no exterior serão enviados à Justiça Federal de São Paulo. Os ministros
Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, maioria na 2ª Turma,
entenderam que os casos não têm relação direta com a corrupção na Petrobras, e
portanto, não deveriam permanecer com Moro. O relator da Lava Jato no STF,
Edson Fachin, e o decano Celso de Mello, foram votos vencidos.
O combate a corrupção e a crimes como lavagem de dinheiro e
ocultação de patrimônio só se tornou efetivo quando o Judiciário passou a
entender que um conjunto de indícios pode ser tratado como prova, afinal
corrupto não assina recibo e quem oculta patrimônio não registra em cartório.
No Brasil, esse entendimento passou a ser exercido no processo do Mensalão e se
consolidou com a Lava Jato. Se for mantida a decisão da 2ª turma do STF, o País
estará retrocedendo em pelo menos 10 anos no enfrentamento da corrupção.
Por ora, Moro segue conduzindo os dois processos existentes
contra Lula na Justiça Federal do Paraná. Depoimentos e provas produzidos até
agora continuam válidos. O que muda na prática é que novas investigações,
instauradas a partir das delações da Odebrecht, passam a ser conduzidas por um
juiz de São Paulo e não mais por Moro. Mesmo sem consequências imediatas, não
se pode negar que a decisão da 2ª Turma enfraquece a Lava Jato. Toffoli,
Lewandowski e Gilmar deram novo gás à defesa de Lula, que até o momento, só
havia sofrido derrotas na Justiça. “São os mesmos três ministros que tentaram
livrar o Lula da prisão em segunda instância. Dessa vez, fizeram uma análise
superficial das provas e decidiram a favor do Lula”, afirmou à ISTOÉ o juiz
federal aposentado e advogado, Pedro Paulo Castelo Branco.
Outro ponto a favor de Lula é que a Lava Jato paulista
caminha a passos muito lentos. São Paulo não tem um juiz exclusivo para a
Operação. Além disso, a 2ª Turma abriu um precedente extremamente perigoso para
que a defesa questione a competência de Moro para julgar todas as ações contra
o ex-presidente. Certamente, os advogados tentarão tirar do magistrado outros
dois processos que estão em andamento, e vão questionar até mesmo a condenação
no caso do tríplex do Guarujá. A defesa já apresentou, nos últimos dois anos,
mais de uma dezena de pedidos de suspeição de Moro – todos negados pela
Justiça. Agora, com respaldo do STF, o caminho está aberto para novas
tentativas. Advogados ouvidos por ISTOÉ afirmam que não se pode descartar até
eventual pedido de anulação da condenação de Lula a 12 anos e um mês de prisão
se o STF entender que Moro não é o juiz natural do caso. Pode ter sido um
primeiro passo para frear de vez a Lava Jato. “A 2ª Turma quer acabar com a
Lava Jato”, afirmou à ISTOÉ um procurador da República. “Está nua a intenção de
conter uma justiça eficiente e igual para todos”, completou o procurador da
Lava Jato no Paraná, Carlos Fernando dos Santos Lima.
Fonte ISTOÉ